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Estamos em greve, mas vai aula normal?



Estamos em greve, mas vai aula normal?
Prof. Tiago Eurico de Lacerda

Esta foi a pergunta que eu mais ouvi desde que as greves começaram. Os alunos curiosos pelo movimento de greve não paravam de me perguntar: “mas terá aula normal?”. Bom eu cansei de dizer que não teria aula no colégio, em nenhum colégio, mas muitos professores não aderiram à greve e foram “dar aula”, mas e agora? Se os alunos estão vendo seus professores no colégio e outros nas ruas, quem está certo? Essa foi outra pergunta que me tirou a paz e que me fez desabafar neste texto sobre sua possível resposta.
Mas antes de responder tal pergunta eu gostaria de fazer uma pequena reflexão. Vamos pensar em um médico que trabalha em algum posto de saúde. Ele geralmente trabalha “normalmente” quando as circunstâncias o permitem. Mas quando não há o mínimo para o atendimento ao paciente, não há sequer uma gaze para um curativo, não há como dizer que trabalhou “normalmente”. Esse médico uma hora vai parar o seu trabalho e exigir dos responsáveis o mínimo sobre a estrutura do seu local de trabalho para continuar. E se ele parar vai ouvir reclamações, mas as pessoas não estão vendo que não é a vontade dele parar, elas querem ver o médico lá, mesmo que não faça nada. Há médico no posto de saúde! Mas a presença dele naquele instante sem recursos mínimos é inoperante. Então não teremos atendimento “normal”. Imagina um dentista sem materiais adequados ou sem energia elétrica? Como fazer com os pacientes que estão esperando?
Mas quando falamos do professor achamos que ele deve mesmo diante das adversidades continuar seu trabalho porque escolheu a profissão por amor. O médico e o dentista não escolheram por amor? E o amor pagará nossas contas? E a dignidade de cada profissão? Por isso agora pretendo responder a pergunta acima: teremos aula normal? Teremos professor no colégio ou aula normal, digo isso em analogia ao médico no posto de saúde.
Bom, há muito tempo não temos aula normal! Há muito tempo entra governo e sai governo e a educação é a primeira a ser atacada. Há muito tempo escolas menores funcionam com o mínimo de funcionários e estes poucos precisam dar conta de tudo. Há muito tempo lutamos com instalações precárias em algumas escolas e que os professores precisam ignorar tudo isso porque está ali para dar a sua aula com amor etc.
Mas eu sou professor! Eu não estou ali para dar uma aula com amor. Eu tenho amor no que eu faço e no que escolhi como vocação, ou fui escolhido, não sei. Mas eu vendo cada aula minha para as escolas que me contratam, e vendo o melhor produto possível para que os meus alunos tenham qualidade na formação deles e que isso reflita um dia na escolha de suas profissões. Quando eu digo que não haverá aula normal estou dizendo que nos falta o mínimo para continuarmos nosso trabalho nas escolas, falta recebermos o que é direito nosso. Ninguém está mendigando um salário maior, queremos o que é justo, o que é relativo ao que estudamos, o que valoriza nossa presença nas escolas. Lutamos contra a mercantilização da educação pública. Não somos massa de manobra para nenhuma ideologização dentro da escola. Não podemos nos render às ameaças de governo ou às ameaças do mercado.
Não haverá aula normal! Falta educação por parte de muitos alunos para que a aula seja normal. Falta compreensão e humanização de muitos colegas de trabalhos para que as aulas sejam normais. Sofremos pela falta e nem sabemos mais como é viver sem ela, nos acostumamos a não ter o mínimo e achamos isso ótimo! Professores que não aderem às greves e não lutam pelos seus direitos, isso é aceitável, ou melhor, compreensível. Mas professores que colocam seus alunos contra os professores que estão em luta? Isso é deplorável. Isso mostra que a educação não pode vir de todos. Alguns estão em lugares errados, não deveriam trabalhar com gente. Porque trabalhar com gente, com alunos, com pessoas envolve nossa humanidade, isso falta em alguns.
E a humanidade por parte do governo? Bom, isso não se conhece mais. Colocam mais de 40 alunos dentro de uma sala de aula para que um professor em 50 minutos possa trabalhar os conteúdos do currículo. Um bom professor, se tiver sorte numa sala lotada terá uns 30 minutos ou menos de aula. E outra, o professor não pode adoecer. É tratado como um traidor, ou coisa pior, no mínimo é um vagabundo. Então mesmo estando mal enfrenta seus quase 400 alunos por dia, se tiver dois períodos de aula e que se dane sua saúde ou problemas pessoas. Nos tratam como máquina!
E por que você não procura outra profissão então? Termino com essa pergunta que de tão comum, se torna banal e leva muitas vocações a procurarem outra coisa para fazer. Quem perde são os alunos, as famílias, as escolas, quem perde sou eu professor em não ter como colega alguém que ama o que faz e sabe fazer com maestria o que estudou. Mas como todo ser humano esse professor que desiste, talvez porque adoeceu, é ignorado por muitos e doença é coisa séria, mas isso já seria assunto para um outro texto. Então: vai ter aula normal? Você acha que dá para ter aula normal?

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